Corria o ano de 1991 quando um grupo de miúdos terminava a quarta classe. Correram lágrimas, o futuro era incerto, e alguns não sabiam o que os esperava.
Eu era um deles, e lavado em lágrimas, à porta da escola abraçado a alguns dos mais fiéis companheiros das traquinices da altura via o meu pequeno mundo (como eu também o era na altura) ameaçado. Entre juras de amizade eterna e lamentos, aquela imagem ficou-me gravada na mente.
Quase exactamente vinte anos depois, uma parte daqueles miúdos encontraram-se para recordar os bons velhos tempos, para matar saudades, para saciar a curiosidade de perceber o que era feito dos inseparáveis parceiros de outrora, mas, especialmente, para homenager uma grande Mulher, uma professora que nos orientou e educou nos primeiros anos da nossa formação académica.
Pode parecer estranho que alguém possa ter tido grande influência na vida de várias pessoas, apenas por ter feito parte da sua formação em pouco mais de três anos, e numa tão tenra idade, como era a dos seis aos dez anos; no entanto, a vontade de todos em voltar a ver aquela senhora, em prestar-lhe um simples mas sentido tributo, é a mais cabal prova de que a professora Glória foi uma professora diferente, um exemplo para muitos, e uma pessoa que nos marcou profundamente.
Mas, e agora falo por mim, não foi apenas a professora da primária que me deixou marcas. Ainda ontem recordei marcas que já não lembrava, como as físicas que o Bruno Marques e a Elisabete me deixaram numa troca de mimos que envolviam umas pedritas, como eu me ri e rio ainda neste momento a recordar aquela situação. Fora esta brincadeira que não podia deixar aqui de fora, as marcas que me deixaram foram essencialmente no espírito, ouvir as palavras que o Paulo Pinto nos dirigiu, em particular aquelas que me diziam respeito, deixa-me um profundo sentimento de orgulho, uma noção de que alguma coisa devo ter feito bem, e por isso agradeço ao Paulo por me recordar.
Não posso nem quero ser injusto e esquecer-me de alguém, todos foram especiais, todos me marcaram, mas a memória das brincadeiras com o Pedro e o João ainda hoje me deixam com o coração a bater mais depressa.
As primeiras paixonetas por todas as nossas colegas, sem dúvida as miúdas mais giras da escola primária nº 2 da Damaia entre 87 e 91, nunca podiam ficar fora deste pequeno tributo. Ainda ontem, quando já só os rapazes sobravam no encontro, lembrávamos os primeiros beijos, os esquemas que preparávamos para tentar um sorriso, um passeio de mão dada no recreio e, se tivéssemos muita sorte, um inocente beijo de crianças. Todos nos lembramos que a Joana e a Filipa Lopes eram inseparáveis, e tínhamos ainda a Sandra, a Ana Filipa, a Filipa Marques e a Elisabete. As recordações das brincadeiras com elas não são tão consistentes como as que envolviam apenas os rapazes, mas ninguém se esquece que a Joana estava sempre pronta a jogar à bola com os rapazes, que miúdos e miúdas disputávamos grandes jogos do mata, e que a nossa claque feminina nos jogos do campeonato da escola era a mais ruidosa e fiel.
Meus amigos, escrevo hoje com vinte e nove anos, teclo no meu portátil, mas por momentos fecho os olhos e imagino que tenho de novo nove anos e estou a escrever com uma caneta, provavelmente a BIC laranja, uma composição para a professora Glória a dizer o que de melhor se passou nos anos da primária. Abro os olhos e acordo para a realidade, não sem uma ponta de saudosismo, mas saudável, creio.
Ontem quando falei ao telefone com o Diogo, achei que não estávamos cada um com um telemóvel, mas que éramos de novo putos e estávamos em casa ao telefone fixo, dos antigos, com a roda dos números do telefone e não com os modernos digitais, e em vez de estarmos a recordar os bons velhos tempos estávamos sim a combinar ir combinar ir para casa do Diogo jogar no Spectrum que tinha disquetes.
Olho para o Costinha, hoje maior que eu, mas o que vejo é o miúdo que passava tardes em minha casa a brincar comigo e que partilhava comigo os recheados lanches que a minha avó nos preparava. O Bruno tem também que ser lembrado por ter sido o grande impulsionador desta reunião.
A competir com ele, apenas o Paulo Pinto que montou uma complexa máquina para encontrar o pessoal e conseguiu encontrar quase todos e os que ainda não encontrou certamente não vão conseguir manter o anonimato por muito mais tempo! Para o Paulo um especial abraço por ser alguém que sempre foi muito forte para superar as adversidades, logo desde a infância.
As tardes em casa do Bruno Marques, as cabeças partidas, os jogos de futebol, as jogadas que tinha com o Freitas, as zangas, as reconciliações, tantas recordações, mas não tantas como gostaria de ter.
O Pedro Carvalho, aquele que me acompanhou até mais tarde, a par da Joana, um amigo sempre presente no meu pensamento, mesmo com alguns anos sem falarmos.
Não posso esquecer o Bruno Alexandre, apesar de há muito não saber nada dele, a notícia da sua partida foi um choque, recordo o miúdo extremamente activo, imaginativo, o primeiro inventor que eu conheci.
A todos os que nomeei, mas não só, um muito obrigado sentido.