quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Amo-te avó

Vou contar uma História, sobre a maior contadora de Histórias que alguma vez conheci. Não vou contar a sua História, até porque quase ninguém o podia fazer, apenas um resistente com dois anos a mais que a sua História, se podia aproximar de uma tentativa, mas jamais pessoa alguma poderá ambicionar contar a vida de alguém que tanto viveu.
O que vos conto é um pouco, uma mui pequena parte da vida de uma Grande Senhora, uma Enorme Mãe, Sogra, Avó, Bisavó, Tia, amiga, companheira. Posso dizer que desde sempre a conheci, e foi uma honra. Tentei ser o que ela foi para mim, mas isso seria impossível, mais de noventa e cinco anos de idade de uma vida que foi dura, onde como ela dizia e nós atestamos, trabalhou muito e criou muito boa gente.
Há quase noventa anos, escapulia-se às escondidas do Pai que não aceitava que uma rapariga estudasse, e fazia os possíveis para frequentar a escola, e adquirir o conhecimento que a sua mente, desde sempre e até ao último momento, saudável exigia. Gostava de poder contar os pormenores com a mestria com que ela sempre fez, e perceberiam o que uma rapariga nos anos 20 do século passado tinha de suportar para conseguir realizar o trabalho que lhe era imposto, e ainda assim por mérito próprio e com uma arte bem sua, contornar os obstáculos que lhe surgiam no caminho.
Uma vez mais não sou a pessoa indicada para o fazer, mas falo-vos de uma pessoa que criou sozinha desde muito cedo os seus filhos, que se esfolava a trabalhar de formas que nós hoje podemos apenas imaginar, e mal, para num quarto dar tudo o que podia a esses mesmos filhos, e sofrer para que nada lhes pudesse faltar, porventura terá faltado algo de material, mas amor e abnegação é algo que tenho como um facto não lhes faltou, e digo-o porque falo de alguém que não sabia "não amar" os seus, como todos, à sua maneira, mas lutando como podia para fazer do nosso mundo, o mundo dos seus, um sítio bom para viver. E fê-lo! Sei de um episódio em que o seu filho, após partir as duas pernas, era transportado em braços por esta mulher de armas, esta força da natureza com quem tive o previlégio de viver e partilhar a sua vida. Sei das palmadas que este filho levava porque o amor pela bola era mais forte que o medo de apanhar por estragar os sapatos novos... Sei de tantas outras coisas que agora não me lembro, ou outras que são só nossas.
Ainda hoje descobrimos nas voltas que por estas ocasiões se dão, uma carta de recomendação que orgulha qualquer um do ano de 1957 de uma renomada empresa, a Prize Water House. Qualquer pessoa ou entidade que teve o prazer e tenho de me repetir, o previlégio de se ter cruzado com esta Senhora, pode e deve dizer o melhor dela, porque é essa a única verdade.
Falo-vos de uma pessoa dotada de um impar sentido de justiça, de tentar ser igual para todos, de não fazer diferença entre os seus meninos, e eu sinto honestamente que à sua maneira, exprimindo como sabia, amava todos por igual, sofria com a tristeza de qualquer um por igual, e ficava feliz com a alegria de todos da mesma forma, e digo-o sem sombra de dúvida. Sei das coisas que me disse sobre a minha pessoa, como sei o que pensava dos outros três netos, sei o amor que por eles nutria, e sei do bem que os seis bisnetos lhe fizeram, lamento que alguns deles apenas a vão conhecer através de nós, mas vão saber que a Bisavó Margarida os adorava e que mal nasciam fazia questão de lhes dar aquela prendinha dela.
Lembro-me dos dias perfeitos passados no Cartaxo, do cheirinho que aquela salinha à saída no pátio principal tinha, tão próprio, dos lanchinhos que ela nos arranjava, das brincadeiras, dos pirilampos, da cama de rede, da adega, e em cada pouco disso, está um muito da avó, e vocês os três sabem do que eu falo.
Lembro-me dos cantinhos que me arranjavas avó, lembro-me de tu já com as tuas limitações me perguntavas se queria que me arranjasses o lanche, ou me fizesses a cama, das histórias que me contavas e hoje estou roído por dentro porque não me lembro de muitas delas.
Contavas as histórias da tua terra, da tua vida, muitas repetidas, e só me arrependo das vezes que disse que já sabia, porque sei que hoje dávamos muito para ouvi-las uma vez, só uma vez mais. E só tenho o desejo que estejas em paz, e que tenhamos feito tudo para retribuir o muito que nos deste, porque olho para a família mais próxima, para já não falar dos amigos, e vejo que o que somos hoje, é muito do que fizeste por nós, olho para os meus pais, para os meus tios, para o meu irmão, para as minhas primas e vejo-te em nós. E posso dizer tanto, tanto mais, mas para já é isto que fica.
Adoro-te avó, adoramos-te, e olha por nós.

2 comentários:

Ana disse...

Obrigada poe este momento. Não te vou dizer que está lindo, porque tudo o que é sincero é, só por si, lindo.

Angela disse...

Um abraço "pira" ***